O seu acentuado pendor rural, o património existente ao longo
de todo o percurso e a biodiversidade que ostenta em toda a sua extensão fazem
da Rota da Queixoperra uma caminhada particularmente agradável. Além das
diversas fontes e nascentes, ribeiras e paisagens com vistas desafogadas, as
azenhas do Poço das Talhas justificam, por si só, este passeio.
Enquadrada na União Freguesias de Mação, Aboboreira e
Penhascoso, há redes móveis disponíveis em toda a rota, além de um plano de
emergência e resgate, com a marcação de balizas de socorro (SOS) devidamente
identificadas, garantindo assim a segurança do pedestrianista.
Por entre vales e serras podemos encontrar alguns
exemplares de uma pequena árvore já rara no concelho, a cornalheira, e também
observar sobreiros e medronheiros, entre outras espécies nativas, enquanto que
nas margens das ribeiras crescem arbustos como gilbardeiras e heras. Por outro
lado, nas zonas de pinhal, encontramos o tojo, a carqueja ou murta.
Águias como a calçada ou a águia-de-asa-redonda, ou ainda
papa-figos que por aqui nidificam nas estações quentes, são avistados com
frequência nesta zona pelos caminhantes. Na verdade, muitas são as espécies de
animais, incluindo insectos, que habitam esta região. Realçamos, por exemplo, a
borboleta do medronheiro ou a borboleta-maravilha, entre muitas outras espécies.
Ao nível do património construído, destaca-se a Travessa
do Encalhão, a fazer lembrar as ruelas das famosas aldeias de xisto, a zona do
Poço das Talhas, as antigas azenhas zelosamente recuperadas e onde hoje é de
nosso possível assistir à moagem de cereais, a pequena barragem do Cabril, a
antiga Fonte de Mergulho e a Fonte do Ribeiro, entre outros.
Além do extenso património existente na Rota da
Queixoperra, é possível observar diferentes tipologias de paisagens e diversos
ecossistemas típicos desta zona geográfica. Por fim, salientamos ainda a
existência de uma geologia diversa, com especial destaque para as Marmitas das
Azenhas (geossítio) e para as pistas de fósseis na Serra do Carvalhal. |
Poço das Talhas: o nome faz sentido. Uns metros abaixo da estreitinha ponte
junto às azenhas, as águas cedem momentaneamente à profundidade do leito – ali
em forma de talha, pois. Mais abaixo, porque a ribeira continua, sobressaltada,
entre afloramentos rochosos e desníveis consecutivos, outros poços há, mas foi
este, o das Talhas, que batizou toda esta zona e as antigas azenhas.
Há 60 anos ainda ali chegavam, carregadas de cansaço e de filhos, as mulheres
das redondezas, sobretudo da minha aldeia e dos lugares vizinhos dos concelhos
de Abrantes e Sardoal, equilibrando na cabeça e debaixo do braço muitas horas de
labuta, suor e fé. Sabe Deus o que trabalho que dá o cultivo do milho.
Ricardo Marques, o moleiro, trabalhava a bom ritmo, tantas vezes de dia e de
noite, sozinho na frescura daquele vale, fazendo companhia a si próprio e aos
pensamentos que o visitavam. Duas azenhas, apenas um homem, fartura nenhuma,
tudo às voltas, vezes sem conta, no cumprimento do seu destino. Sábia e
pacientemente.
Tal como a roda que ora mergulha ora emerge, também a história deste sítio
retornou ao seu passado para logo vir ao de cima e respirar o ar dos nossos
dias. E quem sabe se o ciclo estará completo já? Ou quantas voltas pode dar uma
vida?
Há dois anos, quando o fogo apareceu de novo por estas bandas, invencível, as
chamas não destruíram apenas a paisagem da minha aldeia, lamberam a alma das
suas gentes e deixaram mudas várias pessoas. E não se pense que foi do medo,
porque não foi.
Foi sim por terem tanto para dizer, e sobretudo por saberem que há silêncios
tão poderosos como gritos. Às conversas sobre aquela tarde demoníaca – e
tivessem elas o condão de fazer o tempo voltar atrás, trazer de volta o cheiro a
pinho e a alecrim, mas não – nada tinham a acrescentar.
Talvez a coragem se lhes tenha enchido de dúvidas e o esforço de resignação,
é possível, embora talvez nunca o saibamos. Houvesse justificação possível para
tamanho infortúnio e quiçá fosse mais pequena a desilusão. Assim, sem palavras,
restava-lhes ombrear a natureza, meter mãos à obra.
As chuvas varreram as cinzas e pintaram de novo as encostas, recuperando
assim a esperança e o verde horizonte. A ribeira corre agora ainda mais generosa
e à sua volta crescem viçosos fetos, acácias e giestas. O ar cheira a estevais e
a rosmaninho. Estão de volta os esquilos, os papa-figos, as toutinegras e os
melros.
(Fonte: Berta Silva Lopes – MedioTejo.net) |