Pocinho de Alcaria
O Pocinho de Alcaria situa-se numa encruzilhada de quatro caminhos, sendo que a via principal provém da Aldeia da Tinoca e dirige-se para Oeste, na direcção da Aldeia de Alcaria. Ocupa o centro de um largo, numa baixa. Um dos outros caminhos, o que se dirige na direcção sudeste, liga o espaço do pocinho à Aldeia do Cerro. O pocinho fica, pois, no sopé de dois outeiros, tendo sido, no passado, local de concentração de pessoas que ali vinham em busca de água potável. De noite, o local, escuro pelo arvoredo que o rodeava, e ermo, era considerado espaço assombrado, relatando-se episódios de aparições fantásticas.
No final dos anos setenta, o pocinho ainda mantinha as lajes do gargalo com os sinais seculares da passagem das cordas dos baldes. Tratava-se de um poço de diâmetro muito reduzido e bastante fundo. O gargalo também era muito baixo. Mas poucas pessoas bebiam da água já que adultos e crianças costumavam profanar o pocinho.
Talvez por isso, nos anos oitenta, o Presidente da Junta de Freguesia de Boliqueime mandou arrasá-lo e entaipá-lo, apesar do protesto de alguns residentes locais. O pocinho era considerada uma referência para localização, e havia a intuição de que deveria ser preservado.
Infelizmente, foi mesmo destruído, numa década em que ainda se era insensível à preservação deste tipo de património local. Posteriormente, a pedido da população, creio que já nos anos noventa, o pocinho seria reaberto, e o gargalo seria refeito mas,
infelizmente, já não se poderiam recuperar as antigas pedras marcadas tempo nem a configuração original.
Não me assiste qualquer conhecimento científico sobre a origem e natureza arquitectónica do Pocinho de Alcaria. O que vou adiantar é uma memória muito pessoal de ouvir dizer. Vale o que vale. Mas fiquei sempre com a ideia de que se
tratava de uma construção pré-árabe, uma vez que a calçada de lajedo, que nascia no largo e subia na direcção da Aldeia do Cerro, tinha a estrutura das calçadas romanas. Para a população, porém, tudo o que era antigo remontava ao tempo dos mouros. Salvo melhor opinião, creio que terá tido origem no período anterior.
Recentemente, alguém tapou o gargalo do pocinho e colocou vasos com plantas por cima. Talvez em resposta a uma tentação sempre permanente de se profanar aquelas águas fundas, que invocam um mistério qualquer de que é difícil falar. Mas ali está ele, marcando o tempo, as desinteligências dos homens e também o desejo de o manter como um marco da terra, no meio da Terra. Porque todo o local é um centro do Planeta, nós é que nos esquecemos disso.
Texto da autoria da escritora Lídia Jorge para esta cache