A NATUREZA NA POESIA AÇORIANA
Compreender o Homem na sua componente insular com as suas raízes, projetando-as na literatura, como parte integrante e comprometedoras da Natureza:
"[...] Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.
[...]Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água [...]
[...] Meio milénio de existência sobretufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo - e o tempo é espírito em fieri [...]
Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra.Os nossos ossos mergulham no mar.
Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minhaaçorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba."
(Vitorino Nemésio, "Açorianidade", in: Insula, Número Especial Comemorativo do V Centenário do Descobrimento dos Açores,
nº 7-8, Julho-Agosto, Ponta Delgada, 1932. p. 59.)
MÃE ILHA – III
Foi isto outrora na ilha das fadas
Embrumada em hortênsias. Não sonhei.
Sobre as lagoas de águas encantadas
Dormiam os fetos e não havia lei.
As vacas, nas colinas esfumadas
Ruminavam o eterno. Ali folguei
Na festa das crianças coroadas.
Reinava o Amor e não havia Rei.
Dentro da música a casa repousava.
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.
Rumores longínquos da infância oclusa,
Que num desvão da alma ainda debruça
Uma varanda sobre um mar de auréolas.
Natália Correia (1923-1993) Sonetos românticos
TERRA DO MEU ORGULHO
Bordo do “Vasco da Gama”.
À vista de ilha de S. Miguel
Mar largo. O navio estremece.
A alma de Frei Gonçalo erra sobre este mar...
Sírius, na proa, ao alto, o roteiro esclarece.
Brilha Vénus à ré. Começa a dealbar.
Sinto na boca impura o aroma de uma prece.
O coração, ansioso, é um sino a replicar ...
Céu e mar são um templo azul, que resplandece!
- De joelhos! San Miguel surge em seu verde altar!
Ó terra de meus pais! A arca do meu afecto ...
Mais linda das que eu vi, de olhar saudoso e inquieto,
Buscando-te rival entre os jardins do mundo ...
Terra do meu orgulho, e último bem que espero!
Mãe de Bento Góis e mãe de Santo Antero ...
- Beijo, a alma de rojo, o teu ventre fecundo!
Raposo de Oliveira (1881-1933) In: Antologia de Poesia Açoriana
Esta caixa foi produzida no âmbito do 4º Curso de Formação para Professores, “Geocaching – Uma ferramenta educativa”, realizado na Escola Secundária da Lagoa, em julho de 2019”.