Artilharia da Costa do Sado: Fundações
(pré-WWI)
Brasão do RAC
"Mostrando a Ruda Força que se Estima"
Em 1874, seis obuses de 28cm/22 e quatro peças de 15cm/40 foram
adquiridas à empresa alemã Krupp para a defesa de Lisboa e
seu porto marítimo. Quatro obuses de 28cm em conjunto com quatro
peças de 15cm foram colocadas no forte de São Julião da Barra
(Oeiras), sendo os dois restantes de 28cm montados no forte do Bom
Sucesso (Belém). Aos dois fortes, foram postumamente acrescidos
mais três e duas peças de 12cm (respectivamente) de fabrico
Schneider.
A próxima fase visa ampliar a capacidade de defesa. Nesse
propósito é feito o reforço ao arsenal existente da seguinte
forma:
Aquisição de peças de médio calibre 15cm/40 (Krupp) em
1897 (6), 1899 (8), 1903 (4), 1905 (4) e 1906 (6), ao todo
28.
Aquisição de peças de grande calibre 28cm/22 (Krupp) em
1902, oito em 1903 (8), 1904 (6), 1905 (6) e 1906 (6), ao todo
32.
A distribuição dos canhões é feita à volta de Lisboa, em locais
estratégicos. Na margem Norte do rio Tejo, forte de São Gonçalo (8
peças 28cm) em Carcavelos, forte de Caxias (12 peças 28cm, 6 em
cada bateria), bateria da Parede (6 peças de 15cm) e em Oeiras, no
forte de Santo Amaro (4 peças de 15cm), na bateria da Lage (3 peças
de 15cm) e a Norte do forte de São Julião da Barra no reduto de
Gomes Freire (6 peças de 15cm em duas baterias de 3 peças cada). A
Sul, as restantes peças são repartidas pelas baterias da Raposeira
(8 peças de 15cm, 4 em cada bateria) e o forte de Alpena (12 peças
de 28cm, 6 em cada bateria) ambas junto à Trafaria.
Até ao início da primeira Grande Guerra, são ainda feitos alguns
ajustes, nomeadamente a instalação de quatro peças de 7,5cm/45 na
bateria das Fontainhas e mais outras quatro no forte de Santo
Amaro, ambas em Oeiras e, portanto a Norte do Tejo. O arsenal
inicial nos fortes de São Julião da Barra (Oeiras) e do Bom Sucesso
(Belém) é movido para as baterias do Outão (a Sul) e reduto
Monte-de-Cintra (a Norte). O forte do Bom Sucesso recebe para
substituição 3 peças de 12cm fabrico Schneider. Ainda a
Norte é colocada uma bateria de salva de 7,5cm na Torre de
Belém.
Artilharia da Costa do Sado: Plano Barron (entre
guerras).
Canhão simples de calibre 15,2cm
Entrada do Forte
Ao início da primeira Grande Guerra a capital encontrava-se
assim defendida por uma moderna linha de artilharia, sendo que até
ao início do segundo conflito mundial, pouco ou nada mudou. Nesse
período, a cidade do Porto (com a segunda maior zona portuária do
país) arma-se muito modestamente com duas peças Vickers
Armstrong de 15cm/28 em Lavadores (a Sul do Douro) e uma única
peça Schneider de 15cm L/45 na bateria de Ródão (Boa
Nova). Em Lisboa, as 6 peças de 28cm/22 mais a Norte do forte
Caxias são recolocadas no forte do Carrascal (Carnaxide) e em 1931,
o reduto de Gomes Freire recebe duas peças de 17,5cm/45 fabrico
Mark vindas de Ponta Delgada (Açores) e previamente
disponibilizadas pela Marinha dos Estados Unidos aquando a primeira
Grande Guerra.
Em 1938 é destacado pelo governo britânico o Major General F.
W. Barron para elaborar um estudo sobre a defesa da capital
portuguesa. Nesse trabalho o Major General Barron
classifica as defesas como obsoletas e recomenda um ambicioso plano
de modernização. As indicações são em traços gerais as seguintes –
instalação de 4 peças de 23,4cm em duas torres (de 2 peças cada) em
duas baterias, uma a Norte em Alcabideche e outra a Sul na
Raposeira. Estas duas baterias seriam assistidas pela bateria da
Parede com 3 peças de 15,2cm, substituindo as de 15cm já aí
existentes. A bateria da Parede asseguraria também defesa próxima,
em conjunto com 4 peças modernizadas de 15cm no distribuídas (2
cada) pelo reduto de Gomes Freire (Oeiras) a Norte e bateria da
Raposeira a Sul. A Torre de Belém e Trafaria providenciariam defesa
contra torpedeiros com 4 torres duplas (2 em cada) de 5,7cm. A Sul
do Tejo também seria colocada uma peça de 152m na bateria do Outão,
suportada por duas peças modernizadas de 15cm no forte de Albarquel
junto a Setúbal. Claro está, um projecto com equipamento, suporte e
provisões, de proveniência britânica. No entanto, e com a chegada
da segunda Grande Guerra este plano não seguiu o seu
desenvolvimento. A linha defesa costeira manteve-se inalterada
durante o conflito, e só depois deste é retomado o assunto. Em
1950, o atraso estimado do sistema de defesa marítimo de Lisboa é
de cerca de 50 anos, sendo que nessa altura a capital facilmente
sucumbiria a um ataque naval.
Artilharia da Costa do Sado: NATO/OTAN
(pós-WWII).
Sala de Aulas do Forte
Vista da Peça a Sul
Com a fundação da NATO/OTAN e como membro fundador, Portugal
pela sua posição estratégica vê reconhecido o seu real valor. Em
1950, e ao abrigo do programa de reforço das defesas da NATO/OTAN,
o país tem acesso a recursos e apoios que lhe permitem finalmente
iniciar a implementação do plano Barron e portanto, modernizar a
sua defesa costeira. A bateria de Alcabideche recebe 3 peças de
23,4cm/47 (em vez das 4 em duas torres), nas baterias da Parede e
Outão são instaladas 3 peças de 15,2cm/47 (em cada uma) de fabrico
Armstrong Vickers, enquanto que nas baterias da Lage,
Raposeira e Albarquel são montadas duas peças modernizadas de 15cm
(em cada uma). O forte do Bom Sucesso recebe a única torre dupla de
5,7cm. Todo este arsenal é cedido pelo exército britânico estando
classificado como excedentes de guerra.
Nesta altura o RAC compunha-se pelo grupo Norte que defendia os
acessos marítimos de Lisboa e o grupo Sul que defendia a cidade de
Setúbal. Na 9ª Bateria de Oeiras encontrava-se sedeado o comando de
todo o regimento, sendo este composto por:
Grupo Norte, 1ª Bateria de Alcabideche, 2ª Bateria da Parede, 3ª
Bateria da Lage, 4ª Bateria do Bom Sucesso.
Grupo Sul, 5ª Bateria da Raposeira, 6ª Bateria da Fonte da Telha
(Raposa), 7ª Bateria do Outão, 8ª Bateria de Albarquel.
Artilharia da Costa do Sado: Extinção
(Actualidade).
É possível afirmar que apesar dos seus parcos recursos, Portugal
soube proteger a sua costa de forma eficiente durante os dois
maiores conflitos mundiais.
O último quarto do século XX trouxe grande mudanças estratégicas
ao panorama internacional, nomeadamente à organização dos
instrumentos de defesa, ao qual o Exército Português e sua
Artilharia não pôde ser alheio. Com o restabelecimento do regime
constitucional em 1982, também é aprovada a Lei Constitucional
29/82, intitulada Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Com
esta surge a decisão de desactivação progressiva do Regimento de
Artilharia de Costa perante a sua manifesta obsolescência perante a
ameaça, facto que se consumou até ao fim da década de noventa. O
armamento pesado e estático (muito vulnerável à aviação militar
moderna) de outrora deu lugar à precisão da artilharia móvel, sendo
que por esta altura Portugal segue a tendência geral de defesa da
sua Costa pelo solo e mar.
Algumas destas unidades foram convertidas (Forte do Bom Sucesso,
Fonte da Telha, Lage e Oeiras), outras deram lugar a outras
construções cívis (Alcabideche que dará lugar ao novo hospital de
Cascais) e as restantes encontram-se desactivadas, encerradas e
aguardar a sua sorte (Parede, Albarquel, Outão). As Baterias da
Raposa e do Outão foram as últimas as resistirem, sendo a 10 de
Dezembro de 1998 efectuados os últimos disparos do Regimento de
Artilharia de Costa, pelas as peças de 23,4cm da Fonte da Telha.
Existem alguns rumores de projectos de restauro e recuperação de
algumas destas instalações (para albergarias e museus) tendo mesmo
alguns já passados para as mãos das autarquias locais. No entanto,
no final de 2008 foi publicado em diário da república uma extensa
lista de património militar a alienar (a favor da reabilitação das
infra-estruturas militares) onde consta o Quartel da Bateria da
Parede, O Forte de Albarquel, Bateria do Outão, da Fonte da Telha
(Raposa) e Raposeira. A ser assim, o destino provável destas
históricas e importantes fortificações poderá não passar pela sua
reabilitação com significado histórico (quer em núcleo museológico
ou para finalidades turísticas), mas antes pela completa destruição
para dar lugar à construção de betão.
2ª Bateria da Parede (Regimento de Artilharia da
Costa).
Peça Sul
Campo de Treino
Dada a sua localização privilegiada, a bateria da Parede teve
uma importância visceral no sistema de defesa marítimo da capital.
É verdadeiramente única, a vista sobre a linha do horizonte que é
possível ter junto às peças de artilharia situadas bem no alto do
monte de Santa Luzia. Da missão táctica constava o suporte à
Bateria de Alcabideche. Encontrava-se munida de três peças de médio
calibre (15,2cm/47) para defesa próxima com cadência de 4 disparos
por minuto e alcance de cerca de 20km cada. Cada peça com um peso
aproximado de 7.600kg era manuseada por uma guarnição de 9 homens
(Chefe de peça e serventes) que municiava o canhão com projécteis
na ordem dos 45,3kg.
Na década de oitenta (pouco antes de ser desactivada) o fogo real
fazia-se duas vezes por ano (geralmente em Maio e Novembro) sendo
durante esse dia, suspenso o tráfego aéro e marítimo em toda zona
de Cascais e Setúbal. Por questões de segurança todo o exercício de
tiro era efectuado com espoleta inerte, ou seja, com o cone no topo
da granada inerte (que é responsável pelo rebentamento). O alvo era
composto por uma jangada com bandeira vermelha rebocada por uma
fragata com cabo de 50 a 100m. O tiro deveria ser circundante para
que a jangada pudesse ser reutilizada em outros exercícios. No caso
de um tiro "certeiro" era mandatório a severa reprimenda do Chefe
de Peças. O Comando do RAC distribuía com antecedência folhetos
informativos nas áreas de influência das peças com algumas
recomendações, tais como, abrir janelas, acautelar objectos
frágeis, etc. Durante esses treinos, foram reportados alguns
episódios caricatos, como o resgate de obuses em algumas hortas em
Alcabideche.
Com a chegada da década de noventa a bateria e quartel
sujeita-se ao fim esperado, a sua lógica desactivação. As portas do
quartel são encerradas, as janelas e portas do edifício
emparedadas. O paiol (armazém de munições e pólvora) é selado
(portas soldadas), as culatras das peças são removidas e o acesso
ao canhão fechado a arame farpado. E assim ficou até aos nossos
dias, sujeita ao vandalismo e ao sabor do tempo. A vivenda dos
oficiais (logo à entrada) já pouco conserva do telhado, mas
as casas do forte ainda permanecem sólidas e ainda por lá
está o quadro da sala onde era dada a instrução teórica. O exército
ainda patrulha o forte regularmente provavelmente para garantir que
por ali não haja ocupação.
Entretanto é publicado no diário da república a 12 de Novembro
de 2008 a
lista de património
militar a alienar ao abrigo da requalificação das infra-estruturas
do Ministério da Defesa. Nesta lista, entre outras surge a
designação "Quartel da Bateria da Parede" o que poderá indicar que
o complexo (ou pelo menos parte dele, não é claro) será vendido
para o financiamento da instituição, ficando na dúvida se o
projecto do museu histórico verá o dia naquele lugar. Um facto de
nota é o considerável valor que aquelas terras detêm com a sua
localização e vista impar sobre a boca do Tejo, uma realidade que
poderá pesar a favor do caos urbanístico desenfreado que já vai
rodeando os terrenos do que resta da 2ª Bateria da Parede.
Referências
Revista Artilharia, -
Exército Português.
Os últimos disparos do
"Muro do Atlântico" Português - Miguel Machado.
Artilharia de Costa,
Apontamentos Históricos - Associação de Modelismo de
Almada.
Tópico "Artilharia de
Costa do Sado" - ForumDefesa.com.
Foto-reportagem na 2ª
Bateria da Parede - Joaquim Silva.
A medida de um canhão é dada geralmente por dois parâmetros na
forma DU / S, em que DU corresponde ao
diâmetro D da boca (interior) em U unidades e
D x S ao comprimento do canhão na mesma
unidade.
Desta forma uma peça de 15,2cm/47 terá 15,2cm de diâmetro e um
canhão de 15,2x47=714,4cm ou seja cerca de 7 metros./
A pesquisa e recolha de informação não foi simples, por ser
pouca e se encontrar dispersa. No caso de aqui figurar alguma
incoerrência não hesite em reportá-la. |