Deposito Fluvial de Lavadores[Geossítio Lavadores]
A descoberta do passado da Terra fornece dados importantes para construir modelos que permitam prever os efeitos das futuras variações climáticas. Com base no passado da Terra, nomeadamente a caracterização dos paleoclimas e dos fatores que os influenciam, é possível construir estes modelos hipotéticos de evolução do clima, sendo um aspeto essencial para as sociedades atuais.
No litoral da cidade de Vila Nova de Gaia numa plataforma, um tanto inclinada para poente, assente no granito observa-se “uma cascalheira de praia elevada, a que se sobrepõem depósitos de areia fina com poucos calhaus dispersos ou intercalares”. Os terraços de Lavadores têm, sido alvo de diversos estudos de índole sedimentológica e geomorfológica, Foto 1.
Foto 1 – Foto da” cascalheira de praia elevada” e a localização dos depósitos do Quaternário antigo e Pliocénico (PQ). Neste depósito quaternário, formado durante um período interglaciário, observa-se uma notável estratificação de camadas arenosas alternadas com níveis cascalhentos, verificando-se a ferruginização típica dos depósitos deste nível e apresentando-se as camadas com um ligeiro arqueamento, eventualmente decorrente de razões neotectónicas. Neste corte, ilustrando um dos melhores depósitos marinhos fósseis de Vila Nova de Gaia, estão representados dois níveis sucessivos do mar, estimando-se que a idade do depósito seja superior a 125 000 anos (entre 340 000 e 220 000 anos).
O registo sedimentar deste aforamento tem vindo a ser analisado como marcador climático. Porém a classificação paleoflorística, qualitativa e quantitativa, torna possíveis a deteção de mudanças na fitodiversidade através do tempo e a inferência de outras mudanças com elas correlacionadas como alterações climáticas e o avanço e recuo do nível do mar.
A nascente da praia das Pedras Amarelas pode observar-se um excelente corte de um terraço assinalado na Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000 – Folha 9C-Porto (Costa & Teixeira, 1957) como Q3 (Depósito de praia antiga, 30-40m), Foto 2.
Foto 2 – Neste terraço a estratificação é nítida e caracterizada pela ocorrência de camadas de clastos mais ou menos grosseiros, e de camadas de areias de diferentes granulometrias com alternâncias não regulares.
O terraço assenta, em inconformidade, sobre um soco cristalino constituído por um granito porfiróide biotítico grosseiro com feldspatos róseos, granito pós-tectónico de Lavadores, que se instalou no grande acidente que é a falha Porto – Tomar (NNW-SSE). O terraço está coberto por o que é designado de “Formação areno-pelítica”.
A análise do registo sedimentológico e sequente estudo morfométrico e granulométrico permitiram distinguir 3 níveis concordantes formados em ambientes sedimentares distintos. Da base para o topo da sequência, encontramos:
a) Níveis conglomeráticos com textura matriz-a clasto-suportada com predominância de organização sedimentar de uma zona intertidal marinha. Os clastos são quase exclusivamente de quartzo e de quartzito de forma alongada e achatada, bem arredondados, apresentando-se mal calibrados, sendo a matriz arenosa, Foto 3;
Foto 3 – Níveis conglomeráticos assentes em inconformidade sobre o granito de Lavadores.
b) Níveis conglomeráticos clasto-suportados formados a partir de quartzo e de quartzito, com uma forte imbricação (18º-24º) predominante num único sentido, denunciando predominância de organização sedimentar fluvial, Foto 4;
Foto 4 – Depósito fluvial com detalhe da forte imbricação dos clastos num único sentido. Sobre este nível fluvial encontra-se um depósito com evidências de periglaciarismo (fenómeno caracterizado pela alternância periódica de gelo e degelo da água).
c) Nível pelítico com clastos verticalizados, foto 5, formado em meio palustre/lagunar com evidências de periglaciarismo. Na parte superior da sequência encontram-se clastos com o eixo maior verticalizado, distribuindo-se numa textura matriz-suportada constituída, predominantemente, por silte e argila, sugerindo “sorted polygons” mal definidos, denunciando fenómenos de periglaciarismo.
Foto 5 – Nível pelítico com clastos verticalizados com evidências de periglaciarismo.
Assim, em relação com um fenómeno regressivo durante o Ioniano (andar do Plistocénico), os meios sedimentares migraram de Este para Oeste, desde um ambiente intertidal na base, passando para topo a ambientes fluviais encimados por depósitos lagunares e/ou palustres afetados por periglaciarismo. O conteúdo polínico destas camadas corrobora a sua origem não marinha. Os dados obtidos sugerem o início da regressão marinha e corroboram a estabilidade da costa desde o Plistocénico médio até à atualidade tal como sugere o registo sedimentar, uma vez que já foi documentado a existência de diferentes níveis da mesma idade e localizados à mesma cota acima do nível do mar ao longo da costa entre Luso-Galaica