Diz-nos a lenda que em tempos que há já muito se foram, existiu na aldeia um homem já entrado na idade, mas bastante temente a Deus e que para cumprir os seus deveres de cristão, era obrigado a percorrer todos os domingos grandes distâncias até encontrar uma igreja onde pudesse ouvir a missa. A sua figura era algo austera, sendo conhecida em toda a região, devido à sua fé profunda, mas também pela eivada tristeza por não poder cumprir os desígnios de Deus na sua própria terra, dada a inexistência de qualquer igreja ou simples capela onde os mesmos pudessem ser celebrados.
Em suas andanças pela serra, aconteceu num domingo ir ouvir a missa à Igreja de Santa Maria Maior na cidade da Covilhã que, por caminhos e atalhos, ainda ficava distante da sua aldeia umas dezenas de quilómetros. Satisfeito por ter conseguido cumprir o preceito dominical, arranjou coragem e dirigiu-se à sacristia para falar com o padre celebrante, a quem lhe terá contado o esforço e sacrifícios que fazia semanalmente para cumprir as suas obrigações como qualquer fervoroso católico.
Extasiado com semelhante prova de fé, mas não tendo avaliado capazmente a tenacidade do velho unhaisense, o prior de Santa Maria, ter-lhe-á prometido a construção de uma igreja na sua aldeia, apenas com uma única condição, a de não faltar, durante um ano, em todos os domingos à missa que ele celebraria naquela igreja da Covilhã. O idoso ainda terá refletido um pouco dada a distância que teria de percorrer, contudo acabou por aceitar o repto.
Com efeito passou a ser uma presença domingueira naquela igreja da cidade da Covilhã, sendo a sua atitude tida como um exemplo de fé e de perseverança, suscitando a admiração generalizada. No derradeiro domingo do ano, que foi um dia particularmente agreste e marcado por um fortíssimo nevão serrano, o prior, notando a ausência do unhaisense, esfregava as mãos de contente, crendo que se libertaria do encargo assumido, dizendo para os seus paroquianos:
– “É HOJE QUE O VELHO DE UNHAIS FALTA Á MISSA E ASSIM NÃO VAI GANHAR A IGREJA”.
Efetivamente, o prior não estava à espera da tenacidade do velho homem. Estando o povo já cansado de esperar pelo início da cerimónia e o sacerdote já devidamente paramentado e prestando-se a subir ao altar, eis que entra na igreja o “velho de Unhais” encharcado até aos ossos e extenuado da longa e fatigante viagem em condições tão adversas.
Sacudindo com largos gestos o albornoz que o defendera da neve e do frio, acomodando-se a um canto no fundo da igreja – o seu local habitual – o velho com voz rouca e cansada de serrano calejado na dureza da sua faina cotidiana, ainda foi buscar forças para gritar bem alto “CÁ ESTÁ ELE, O VELHO DE UNHAIS QUE GANHOU A IGREJA PARA A SUA TERRA”.
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(Baseado in “Crendices, Cultura e Tradições”, by Pacheco, Aníbal, publicação autárquica)
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