A Bicicleta do Poeta
Esta é a nossa curta homenagem ao gigante poeta Herberto Helder (falecido a 23 de Março de 2015) e uma ode ao nosso veículo de eleição: A bicicleta!
Tal como a sua poesia, Herberto Helder foi sempre para o público uma personalidade enigmática. Recusou o Prémio Pessoa e com ele mais de 35 mil euros. Insinua-se aqui uma atitude radical que o poeta seguiu rigorosamente, ao fazer com que a sua obra existisse apenas por si mesma, impermeável a interferências mundanas, erguendo-se fora – e contra – o ruído do mundo. De igual modo, ao pegarmos nas bicicletas, galgando trilhos, a sensação é de liberdade e de fuga ao ruído da desordem do dia-a-dia.
Bicicleta
Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais –
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.
O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e desaparece
uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.
De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.
Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
O poeta dá à pata como os outros animais.
Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.
de Herberto Helder, Antologia de Poesia Portuguesa 1960-1990
Esta cache localiza-se num recatado local, a descobrir por vós, nos trilhos agradáveis e frondosos de Ataíja de Cima (aldeia situada no sopé da Serra dos Candeeiros, ao km 98 do IC2, pertence ao concelho de Alcobaça, no distrito de Leiria).
Para atingir o “ground zero” devem seguir o trilho de btt (single track) ou caminhando, outros veículos são interditos face à largura dos mesmos.