Memória e lembrança do princípio da capela do Senhor do Padrão
Um homem chamado António Pacheco, da casa de Além de baixo, ajustou de se casar em Bentuzelas com uma mulher chamada Maria Pacheco, e, como lhe dissessem depois de estar o casamento justo, que nessa casa de Bentuzelas todos os sogros tinham por costume andarem em demandas com os genros, se pôs de joelhos nesta eira de Além. Voltado para o monte fronteiro disse: “Senhor! Livrai-me de andar em demanda com o meu sogro, que eu prometo de vos mandar pôr um cruzeiro naquele monte à vista desta casa”.
Viveu ele com o sogro e com toda a sua gente anos bastantes sem terem desavença alguma, e morto este deu logo o cruzeiro a fazer a um pedreiro chamado Francisco de Freitas do lugar Bom Jesus, e como o seu irmão chamado Manuel Pacheco e uma sua irmã chamada Rosália Pacheco, ambos moradores nesta mesma casa de Além, lhe dissessem que manda-se também fazer uma imagem e que lhe dariam para ele quatrocentos e oitenta reis cada um, ele a mandou fazer e pôr um cruzeiro, dando o mais que ela custou. Crescendo de dia para dia a devoção do povo, esta imagem principiou a fazer milagres e o devoto mandou fazer uma caixa em uma pedra ao pé do cruzeiro para receber as esmolas e ofertas.
Feita a caixa morreu o devoto, e a mulher deste pediu a seu cunhado Manuel Pacheco, morador nesta casa, que ficasse com a chave da caixa para guardar as ofertas, o que ele fez e daí a poucos anos já tinha junto trinta mil reis, que, com eles e com o mais que foi necessário mandou fazer um nicho de abódada ao pé do cruzeiro, que é aquela capelinha que lá se vê, e o que pôs do seu bolso, antes de acabar um ano estava pago das mesmas ofertas. Sendo depois tesoureiro Domingos Pereira da casa de Além de Cima, com as esmolas que foi recebendo principiou fazer a capela grande por ordem do reverendo Abade da freguesia, estando pronta de parede, armação e telha, uns filhos do mesmo pedreiro que fez o cruzeiro e que tinham ido para Lisboa, mandaram fazer por devoção o resto das obras que se achavam feitas até ao ano de mil seiscentos e quarenta.
Domingos Pacheco Monteiro, desta casa Além de Baixo no ano de mil setecentos e trinta e nove, tresladado em pública forma o concertei com o próprio que me reporto em poder do apresentante, aquém esta fiz entrega.
Seixal, trinta Dezembro de mil oitocentos e setenta e dois, e eu João António Caleia, Tabelião, o subscrevi e assino em publico e razo.
Em testemunho de verdade.
O Tabelião, João António Caleia.
A capela Senhor do Padrão, pertencente à paróquia Santo Estevão (Barrosas), é um belo exemplar de capela devocional do século XVII, que se encontra em processo de classificação.
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