“Eu quero ser nada…para
poder compreender tudo”
Shaykh Hisham Kabbani
Quarta-feira, ano 585 desde que o
profeta fugiu de Meca.
Ibn Ammâr estava com o tesouro nas
mãos, tinha conseguido sair de Xelb a tempo. O barco seguia o rio
para sul, iria levá-lo ao grande mar. Só tinha que aguentar mais um
pouco. Mas o ombro ferido não parava de sangrar, em breve não teria
possibilidade de salvar o tesouro. Era esse o seu objectivo, ele
era mais importante que a sua própria vida. Qualquer um dos seus
irmãos sufi ficaria feliz de estar nesta situação. Ele tinha sido o
eleito, por ser o mais heróico e puro. Em Alvor, apesar da
fortaleza destruída há meses pelos infiéis, ainda restavam alguns
irmãos que o poderiam ajudar.
Anos antes, vindo da arábia
longínqua, chegara a esta terra fértil, cheio de sonhos. Aqui
conheceu a verdade, viu o tesouro, tão querido por Sufis e
Templários. Na realidade, faziam parte da mesma Cavalaria
Espiritual. Profetizavam de ideais e princípios muito semelhantes,
como a justiça, tolerância e defesa dos fracos, e tão diferentes
das correntes radicais e fanáticas dos Cruzados ou dos Sarracenos.
No final, o deus interior, àquele que vale a pena rezar, era o
mesmo. As únicas diferenças estavam naqueles que só acreditavam no
deus exterior.
Mas agora eram os
Cruzados que sitiavam a sua cidade. E eles, não podiam ter o
tesouro, nem saberiam o que fazer com ele. Agora que pensava nisso,
era o mesmo tesouro que os companheiros Templários tinham trazido
da cidade santa. Ele não sabia como tudo tinha acontecido, alias,
julgava que apenas um punhado de cavaleiros sabia de toda a
história. Tinham-lhe contado que o tesouro tinha sido encontrado
por baixo nas ruínas do templo de Salomão, trazido por cavaleiros
do templo para a Europa e deixado à guarda dos Sufi de Xelb. Aqui
ninguém saberia da sua existência, era o lugar mais improvável.
O barco teimava a guinar para a
direita, e o ombro ferido não deixava controlar a sua rota. Teria
de ficar ali. Alvor ainda ficava longe, muito provavelmente não
sobreviveria até lá.
Quando o barco encalhou, Ibn apenas
consegui subir um pouco no terreno e encontrou a cova. Teria de
ficar por ali, mas como indicar o lugar final do tesouro aos
irmãos? Rastejou e depois de se conseguir levantar andou quatro
passos, passou a galeria à esquerda. Andou mais três passos e na
bifurcação seguiu pela esquerda. Imediatamente a seguir subiu a
parede da esquerda e voltando-se para trás deixou o tesouro no
buraco debaixo de pedras. Chorou quando teve a noção que morreria
ali. Não por tristeza, mas por pensar que o tesouro se iria perder
definitivamente. Num último suspiro, pensou que se ele foi perdido
e voltado a encontrar em Jerusalém, a história se iria repetir
aqui. Morreu a sorrir, no escuro da cova. Lá fora o sol nascia para
um novo dia.
O texto anterior é apenas uma
história de ficção. Como muitas tem como pano de fundo factos
reais:
1) Silves (Xelb) foi sitiada em 19 de Julho 1189, tendo caído a 2
de Setembro do mesmo ano.
2) Alvor, ou “a fortaleza” em árabe, foi destruída no
inicio de 1189 por ataques de D.Sancho I.
3) Sufi é uma doutrina da religião islâmica assenta no princípio de
que existe uma verdade escondida e inatingível, ou seja, que a
busca pelo conhecimento e perfeição é realizada com a noção de que
o conhecimento e perfeição nunca serão atingidos. É uma vertente
mística e gnóstica desta religião.
4) As coordenadas publicadas são da entrada da gruta, sigam as
indicações.