Os
Índios da Meia-Praia |
Segundo reza a história, alguns anos antes de
1974, um grupo de gente laboriosa ligada ao mar, os índios da
Meia-praia, vieram de Monte Gordo, a pé e de bicicleta, procurando
uma melhoria de vida, instalaram-se na parte leste do areal da Meia
Praia. Construíram barracas de madeira com telhados de junco,
existentes nas dunas. Eram habitações muito improvisadas e sem
condições para viver dignamente. A escolha do local tinha a
vantagem de estarem perto do trabalho que consistia na apanha de
marisco no Rio de Alvor e da pesca na baía. Com a dinâmica
revolucionária de Abril foi tomada a iniciativa de construir
habitações adequadas e assim se implantou nesse local o Bairro 25
de Abril, que contou com algum auxílio do Estado mas, sobretudo,
foi fruto do trabalho colectivo das próprias gentes.
Zeca Afonso, que foi professor do ensino secundário em Lagos, fez
uma canção em louvor do esforço dessa gente na construção das suas
habitações. Chama-se “Os Índios da Meia Praia” e na voz
do poeta e cantor exalta essa luta de cariz popular, cívico e
colectivo.
Agora, de índios já têm pouco e a ligação ao mar é cada vez menor,
porque, como diz o poema, «mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades». Além da maior densidade populacional, houve outras
mudanças no bairro da Meia-Praia. Antes, quase todos eram
pescadores ou estavam ligados ao mar. Agora, os barcos estão mais
distantes do bairro e a maioria trabalha na área da hotelaria e
construção civil. No entanto, a faina do mar continua na mira das
objectivas, porque «é impossível separar a Meia Praia da actividade
piscatória». |
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Os Índios Da Meia-Praia
Zeca Afonso
Aldeia da Meia-Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
De Monte-Gordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha a ré
Houve até quem estendesse
A mão a mãe caridade
Para comprar um bilhete
De paragem para a cidade
Oh mar que tanto forcejas
Pescador de peixe ingrato
Trabalhaste noite e dia
Para ganhares um pataco
Quando os teus olhos tropeçam
No voo duma gaivota
Em vez de peixe vê peças
De ouro caindo na lota
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Uma cabana de colmo
E viva a comunidade
Quando a gente está unida
Tudo se faz de vontade
Tudo se faz de vontade |
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Mas não chega a nossa voz
Só do mar tem o proveito
Quem se aproveita de nós
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano
Chupam-te o couro cab'ludo
Quem dera que a gente tenha
De Agostinho a valentia
Para alimentar a sanha
De esganar a burguesia
Diz o amigo no aperto
Pouco ganho, muita léria
Hei-de fazer uma casa
Feita de pau e de pedra
Adeus disse a Monte-Gordo
(Nada o prende ao mal passado)
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado
Foram "ficando ficando"
Quando um dia um cidadão
Não sei nem como nem quando
Veio à baila a habitação
Mas quem tem calos no rabo
- E isto não é segredo -
É sempre desconfiado
Põe-se atrás do arvoredo
Oito mil horas contadas
Laboraram a preceito
Até que veio o primeiro |
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Documento autenticado
Veio um cheque pelo correio
E alguns pedreiros amigos
Disse o pescador consigo
Só quem trabalha é honrado
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
"Isto aqui era uma orquestra"
Quem diz o contrário é tolo
E toda a gente interessada
Colaborou a preceito
- Vamos trabalhar a eito
Dizia a rapaziada
Não basta pregar um prego
Para ter um bairro novo
Só "unidos venceremos"
Reza um ditado do Povo
E se a má língua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada apaga a nobreza
Dos índios da Meia-Praia
Quem vê na praia o turista
Para jogar na roleta
Vestir a casaca preta
Do malfrão ** capitalista
Foi sempre a tua figura
Tubarão de mil aparas
Deixar tudo à dependura
Quando na presa reparas
Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua
Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar pra trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
"Isto aqui era uma orquestra"
Quem diz o contrário é tolo
* Texto e musica para o filme: Índios da Meia Praia, realizado
por Cunha Teles.
** Palavra algarvia que significa dinheiro.
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Ouçam a música nestes
links:
Zeca Afonso -
Indios da Meia-Praia 1
Zeca Afonso -
Indios da Meia-Praia 2
Dulce Pontes -
Índios da Meia-Praia |
Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia
(1976) é um documentário português de longa-metragem de António da
Cunha Teles. A obra é um misto de filme etnográfico e de cinema
militante, prática corrente no cinema português da década de
setenta. Estreia em Lagos no cinema Império a 25 de Abril de 1977.
Tal como referido, A Meia-Praia é uma comunidade piscatória do
Algarve nas imediações de Lagos. Depois da Revolução dos Cravos,
nos dois anos que se seguiram, vive-se nesse local uma experiência
exemplar : como o apoio do SAAL ( Serviço de Apoio Ambulatório) as
velhas casas são substituídas por habitações de pedra e os
habitantes lançam-se no projecto de uma cooperativa de pesca.
Surgem dúvidas e contradições em consequência do «desgaste que um
projecto de tal empenho implica, pela inexistência de uma política
sócio-económica efectiva de protecção às camadas tradicionalmente
exploradas»
(Cit.: José de Matos-Cruz, O Cais do Olhar, ed. da Cinemateca
Portuguesa, p. 166, 1999). |
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Meia-Praia is a small fishing community in the
suburbs of Lagos, Algarve. After the 25th Revolution in 1974, this
community experiences an original and unique change in their lives.
The old huts are replaced by houses made of stone that are built by
the inhabitants themselves (the so called Meia-Praia Indians).
Along with this change, a new hope arises – the foundation of
fishing co-operative. However, together with this aspiration, the
population comes face to face with doubts, contradictions and
disillusionment, as well as the first free election after the fall
of the dictatorship.
Zeca Afonso, a great interventionist singer during the era of
dictatorship in Portugal, which was professor of secondary
education in Lagos, has a song in praise of the effort that people
in building their homes. It is called "The Indians of Meia Praia"
and the voice of the poet and singer exalts the fight of a people,
civic and collective.
"Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia" (1976) is a
documentary feature-length film in Portuguese of Antonio da Cunha
Telles. The work is a mix of ethnographic film and theater
activist, practice in Portuguese cinema of the decade of seventies.
The premiere was at the Império cinema in Lagos on April 25,
1977. |
Listen to the music in these links:
Zeca Afonso -
Indios da Meia-Praia 1
Zeca Afonso -
Indios da Meia-Praia 2
Dulce Pontes -
Índios da Meia-Praia |
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