O Cerco do Porto (1832-1833) constitui uma das mais belas
páginas da história da nossa cidade. Pode mesmo dizer-se que não há
portuense que não se reveja nos actos de discreto heroísmo e de
profunda abnegação que se viveram durante os doze pungentes meses
em que durou o assédio das tropas miguelistas à cidade sitiada. Mas
a história do Cerco não se resume à luta entre duas facções
políticas rivais. Contempla, também, actos e gestos demonstrativos
de um profundo desejo de mudança ou de perene gratidão pelos
sacrifícios realizados.
As Baterias
É quase seguro, pode também dizer-se, que passados todos
estes anos, já só muito pouca gente saberá indicar, no Porto, o
sítio onde os soldados do Exército Libertador montaram as suas
baterias defensivas, logo depois de se sentirem cercados pelas
tropas miguelistas. O assunto é interessante: tentar localizar na
cidade actual os pontos onde os liberais estabeleceram as tais
baterias de defesa.
Fonte:“Porto: Da história e da lenda” – Germano Silva
Traçado da linha de defesa
Por altura do cerco a que foi submetida a zona urbana do
Porto era muito mais reduzida em relação à de hoje . À época a
cidade estava estendida , por um terreno inclinado que subia do rio
Douro , para Nascente apenas até à zona do Prado do Repouso e para
Norte apenas até à actual R. de Fernandes Tomás , subindo depois um
pouco até à Lapa , R. de Alvares Cabral fechando para o Sul pela
hoje R. Anibal Cunha , R do Rosário , Carmo e terminando no rio na
zona de Miragaia . Para Poente , a paisagem era dominada pelas
alturas dos terrenos do Palácio ( aonde se plantava a Torre da
Marca ) , a cidade ainda aí não tinha chegado . A Norte e já fora
da zona urbana da cidade a subida do terreno terminava numa linha
de alturas segundo uma linha Este-Oeste definida pela actual R. da
Constituição . De igual modo a Nascente uma linha de alturas
Norte-Sul aproximada da actual Av. Fernão de Magalhães dominava
poderosamente as baixadas de S. Roque e Campanhã e o vale do rio
Tinto.
Foi pois por estas linhas de alturas estratégicas que se
decidiu proceder ao levantamento do perímetro de defesa , a qual
com o correr dos meses se ia melhorando e reforçando. Quanto ao
armamento utilizado à época pelos dois contendores como
instrumentos de combate , era constituído fundamentalmente por:
Espingardas de fechos de sílex, com sabre baioneta com um alcance
eficaz de 250 m e capaz de disparar 3 tiros por minuto . Peças de
artilharia , com alcance eficaz entre 400 a 800 m , de calibre
entre 12 e 30, disparando projécteis esféricos maciços de ferro
fundido ou pedra.
Também podiam disparar «lanternetas » , caixas contendo
metralha ou balas , de grande eficácia contra a infantaria a
descoberto. Obuses , com calibres entre 3 a 4 , disparando
projécteis ocos , com uma carga explosiva no seu interior . Com uma
trajectória muito verticalizada era particularmente utilizada para
atingir soldados protegidos por parapeitos ou trincheiras.
As linhas de posição da artilharia liberal dividia-se
inicialmente por duas linhas distintas: A primeira linha
estendia-se ao longo da margem norte do rio Douro (margem direita)
, era prioritariamente vocacionada para o duelo directo com a
artilharia realista instalada em Gaia . Este sector era constituído
pela bateria do Bicalho ( junto à base norte da ponte da Arrábida )
, prosseguindo para nascente , com as baterias da Torre da Marca (
terrenos hoje do Palácio de Cristal ) , Bandeirinha (ao Largo de
Viriato ) , Virtudes ( na Calçada das Virtudes ) , Vitória ( na
encosta da freguesia e que desce para o Douro , Paço Episcopal ( ou
Paço do Bispo ) , Fontaínhas ( na rua do mesmo nome ) ,Seminário
(junto à base norte da ponte de D. Maria Pia) e Quinta da China (
junto à base norte da ponte de S. João ) .
A segunda linha estendia-se de nascente para poente e contava
com as baterias das Oliveiras (na encosta da estação de Campanhã),
do Forte de Campanhã, da Lomba ( junto à R. da Lomba ) , do Bonfim
( junto à igreja do mesmo nome ) , do Bom Retiro ( junto à rua
Barros de Lima ) , de Goelas de Pau ( junto à rua Câmara Pestana )
, do Cativo , da Póvoa de Cima ( na encosta da rua da Bataria ) ,
Congregados ( Zona do Monte Belo e junto à rua Monte dos
Congregados ) , Aguardente ( zona da Praça Marquês de Pombal ) , D.
Pedro e da D. Maria II ( à zona do cruzamento rua da Constituição e
Antero de Quental ) , Monte Pedral ( monte à rua Serpa Pinto ) ,
Ramada Alta ( à zona do mesmo nome ) , Bom Sucesso ( à praça do
mesmo nome ) . A bateria de Lordelo ( à rua D. Pedro V ) fechava o
anel de baterias junto ao início da linha anterior iniciada na
bateria do Bicalho.
A partir de JAN 1833, após chegada do futuro marechal
Saldanha ao Porto, foi levantada uma terceira linha de baterias e
fortificações com a finalidade de proteger a entrada dos navios
pela barra do Douro, os quais transportavam as munições , tropas de
reforço e alimentos à cidade sitiada , estendendo até ao mar a
linha de defesa . Para tal foram levantadas baterias nos redutos do
Pasteleiro e do Pinhal , no Forte da Luz na zona da Foz para
neutralizar os fogos miguelistas provenientes do seu forte do
Castro . Foram erguidas ainda uma bateria junto ao castelo da Foz ,
frente à bateria miguelista que tinha sido erguida no areal do
Cabedelo e ainda as baterias , ao longo da margem direita do rio
nessa zona da Foz ,denominadas do Oiro , Arrábida e de Cónego
Teixeira , todas elas vocacionadas para neutralizar as baterias
adversárias do outro lado do rio que bombardeavam os navios
entrados pela barra do Douro . No exterior do perímetro de defesa
como guardas avançadas , foram levantados redutos e fortins em
pontos altos e estratégicos, sendo de relevar os Redutos das Antas
( no qual se integrava o reduto da Bela Vista ) , o Reduto do
Cobelo ( que integrava o Reduto das Medalhas ) e ainda a Flecha dos
Mortos , lugares estes que foram testemunhas de elevados feitos de
coragem e valentia dos nossos avoengos de ambos os lados .
Para a construção dos redutos e entrincheiramentos foram
mobilizados tropas e populares . Utilizavam-se pedras , troncos de
árvores , entulho , pipas e barricas cheias de terra ( barricadas )
. Cavavam-se fossos para defesa próxima e à medida que as
fortificações iam sendo concluídas, as posições eram ocupadas por
forças regulares. Em casos de acções ofensivas, os voluntários e as
milícias eram chamadas a substituir as tropas de linha empenhadas
em surtidas. Em algumas posições mais estratégicas, situadas em
lugares elevados, instalavam-se as baterias de artilharia , na sua
maioria perto e adentro da linha fortificada de defesa.
Fonte:
http://lettersfromelise.blogspot.com/2006/11/cerco-do-porto-183233-parte-iii.html