Conjunto monumental impar do
património alcacerense, o Santuário do Senhor dos Mártires
localiza-se fora das muralhas do castelo de Alcácer do Sal, a meia
encosta, e dominando de uma certa altura um troço importante do
curso do rio Sado. Ao lado passa o caminho de terra batida que ia
para Setúbal ao longo do estuário e na linha do horizonte é visível
a Serra da Arrábida e o Castelo de Palmela.
Por outro lado, o santuário ocupa
um lugar de grande importância estratégica. É visível do castelo de
Alcácer, é possível deste ponto vigiar a curva para norte feita
pelo rio Sado em direcção ao estuário e é neste sector que
desaparece a escarpa de arenito que se desenvolve desde a colina do
castelo, dando lugar a um amplo vale que facilita o acesso ao
interior. Desde a sua “fundação” em meados do século XIII,
tornou-se num espaço de culto mariano, com o nome de Santa Maria
dos Mártires e pouco depois foi escolhido pelos Mestres da Ordem de
Santiago para repouso eterno. Espaço sagrado de enorme prestígio,
desde cedo lhe foram atribuídos alguns milagres, contudo torna-se
Comenda da Ordem de Santiago e guardiã do espaço rural envolvente
da cidade de Alcácer, mantendo activo um culto e aproximação do
sagrado que chegou aos nossos dias.
Se não restam dúvidas sobre a
importância deste santuário e sobre o culto cristão desde o
século XIII, restam contudo um conjunto de questões mal
esclarecidas, que também não foram até ao momento objecto de
muita reflexão: Porquê de ter sido escolhido este espaço para
erguer o santuário, que surge fora de muralhas numa região em
guerra e que utiliza para construção do seu núcleo trecentista
um potente edifício em alvenaria, numa zona claramente em
défice de pedra boa para construção!
Pouco ou nada se sabe sobre a
cidade romana de Salacia no Baixo Império, contudo documentação
arqueológica até ao momento conhecida, apesar de se referir a
achados soltos, demonstram claramente uma continuidade de
povoamento na actual colina do castelo até à conquista muçulmana.
Os novos senhores, respeitaram os costumes e culto cristão mediante
o pagamento de um imposto e talvez esse facto permita a manutenção
da necrópole romana do Senhor dos Mártires, transformando-o
lentamente num terreno abençoado, de cariz sagrado e livre de
ocupação humana. Numa primeira fase, é provável que os
enterramentos islâmicos fossem dentro do recinto amuralhado,
contudo a cidade islâmica foi crescendo e face à falta de espaço
após o século X, a necrópole passou para a encosta voltada a
poente. Os enterramentos cristãos provavelmente continuaram na área
do Senhor dos Mártires, mas ao longo dos séculos, tendo em conta a
absorção da população crente cristã no seio da maioria islâmica,
começasse a fazer pouco sentido essa pratica.
A própria estrutura defensiva
alcacerense vai sofrendo alterações ao longo do tempo em fase
dos desafios que iam chegando. Se em meados do século IX após
os primeiros ataques vikings, a fortaleza de al-Qasr
transformada em ribat era suficiente para a defesa da
população, alguns séculos depois em meados dos séculos XII e
XIII era necessário efectuar uma reforça total dos sistemas
defensivos. Nesses séculos, que também correspondem à anexação
de Alcácer aos impérios Magrebinos, dos Almorávidas e dos
Almóadas, a presença cristã e Portuguesa era mais forte e
aproxima-se dos arredores da Medina Alcacerense.
Os séculos XII e XIII também são
séculos férteis em experiências místicas islâmicas, onde a
especulação sobre a natureza de Deus, o desígnio do homem e o
destino são objecto de estudo e meditação. Alguns tratados
islâmicos são traduzidos em latim e estudados no mundo cristão. A
toponímia que sobreviveu até hoje, mostra para a região de Alcácer
a existência de lugares onde viveram esses místicos, que procuravam
tornar-se “ mártires no caminho de Deus “. É provável que nessa
época tenha sido construído uma rábita (Convento islâmico) no
Senhor dos Mártires, que teria uma função de “ jhiad activa “ na
defesa do território em caso de ataque, mas que durante o resto do
ano estaria dedicado à jhiad mais importante que é a “ passiva”.
Esta “ jhiad passiva ou esforço individual” é praticado na procura
de Deus e dos seus propósitos. Nesse sentido, a comunidade
religiosa que aí vivia, e com base em documentação referente a
outros lugares similares no al-Andalus, cuidava da sua horta,
meditava, prestava atenção aos desfavorecidos, dava apoio aos
viajantes e dedicava-se ao ensino num espaço mais profano, numa
estrutura anexa que poderia ter o nome de “ madraza”.
Dessa presença muçulmana poucos
vestígios chegaram até hoje, mas importa valorizar o significado
profilático de um alto-relevo islâmico actualmente visível na
parede exterior da torre da Igreja do Senhor dos Mártires. Trata-se
de um pentagrama que apresenta um programa decorativo inserido na
linguagem simbólica de origem berbere e que podemos encontrar bem
representado por exemplo na bandeira que o califa almóada al-Nasir
perdeu na batalha de Navas de Tolosa em 1212, quando foi derrotado
pelo Rei Castelhano Alfonso VIII. Na bandeira almóada este símbolo
representa o poder e encontra-se dentro de um círculo. Este por sua
vez encontra-se ladeado por alguns leões.
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