Nos finais do século XIX, o paleontólogo português de renome internacional Nery Delgado descreveu a mítica espécie Uralichas ribeiroi para além de uma morfologia muito característica do género, Uralichas (DELGADO, 1892). A grande novidade era a sua grande dimensão, demonstrada pelo aparecimento de fragmentos que permitiram calcular que esta espécie poderia hipoteticamente chegar aos 660 mm. Este recorde mundial, detido por exemplares da Formação Valongo, só foi destronado no ano de 2003 por um exemplar descoberto no Canadá, da espécie Isotelus rex, que atinge um comprimento de 720 mm.
Thadeu, em 1956, apontava já como característica primordial dos fósseis de Canelas o gigantismo de algumas espécies. Quando Gutiérres-Marco observou em 2003 o espólio já resgatado, ficou impressionado com a dimensão ostentada por alguns exemplares, que mediam mais de 400 mm. Em 1994, Fernando Lanhas, ao observar um fragmento torácico de uma trilobite de Canelas, logo fez um cálculo apontando para uma dimensão superior ao conhecido até ao momento.
No período compreendido entre 1995 e 2003, existiam em Canelas, com conhecimento da comunidade científica, as maiores trilobites, dado a maior conhecida até essa data ser também um exemplar de Isotelus rex, descrito com 430 mm.
A primeira trilobite gigante terá aparecido em meados da década de noventa, tratando-se de uma muda de Ogyginus forteyi com 560 mm, recorde que seria quase igualado, no mesmo ano de 1995, com um exemplar fantástico de Hungioides bohemicus arouquensis, que apesar de não se encontrar completo mede 520 mm.
Ultrapassada a barreira dos 500 mm, alguns fragmentos indiciavam maiores dimensões. Era mais uma vez uma questão de tempo. Foi necessário esperar mais de uma década até ao primeiro sinal de um exemplar que finalmente se aproximava do recorde mundial, e esse dia aconteceu em 26 de Março de 2007, com um exemplar de Ogyginus forteyi bastante fracturado mas com uma medida a chegar aos 700 mm.
Como disse anteriormente, “um milagre nunca vem só” e prova disso mesmo é que, em menos de um mês, a 24 de Abril de 2007, um novo exemplar da mesma espécie surgia, desta feita parcialmente enrolado. Apesar desse facto, e atendendo à dimensão da parte visível, estaríamos sem dúvida na presença do maior exemplar até hoje conhecido em Canelas. Essas dúvidas foram esclarecidas em meados de 2008, quando a excursão Pré-Congresso do 4th International Trilobite Conference – TRILO ’08 se deslocou à Louseira de Canelas. Um dos cientistas presentes, especialista em medições de trilobites, recorrendo aos parâmetros morfométricos do cefalão, apontou para 856 mm de comprimento. Novo máximo mundial? Estudos mais profundos o confirmarão!
O final de 2009 teve um acontecimento muito especial: o aparecimento de um exemplar gigante da espécie Nobiliasaphus delessei (DUFET, 1875). Apareceu como um brinde a 2009, ostentando um comprimento corporal de 530 mm. Atendendo a que a sua ponta caudal longa e fina de secção circular atingiria a mesma dimensão do pigídio, já observado em exemplares que milagrosamente a conservaram (ver foto), e que neste caso mede 200 mm, é muito fácil calcular que este exemplar atingiria os 730 mm de comprimento máximo, passando a ser a segunda maior trilobite de Canelas e talvez do mundo…
Para conferir uma retumbante legitimidade, como um selo de garantia, ao gigantismo das trilobites de Canelas, apareceram alguns exemplares gigantes acompanhados por pequenas trilobites de espécies diferentes. Num dos casos, a diferença de tamanho chega a ser dezasseis vezes inferior. Habitualmente estão sobrepostas, não demonstrando grandes afinidades comportamentais. Num outro exemplar, o seu posicionamento ao lado do olho da trilobite gigante permite aferir que esta é mais pequena que o próprio olho da grande.
Apesar das trilobites serem actualmente os fósseis mais bem conhecidos de Canelas, o fundo dos mares ordovícicos era partilhado por muitos outros seres. A sua presença é atestada porque muitos destes animais possuíam uma concha ou carapaça mineralizada que permitiu uma excelente fossilização.
Esta excepcional colecção paleontológica alberga uma fauna de invertebrados fósseis do Ordovícico Médio, onde se destacam trilobites, bivalves, gastrópodes, cefalópodes, braquiópodes, crinóides, cistóides, hiolítideos, conulárias, ostracodes, graptólitos e icnofósseis.
Os cefalópodes são os invertebrados mais importantes do Ordovícico de Canelas onde ocuparam o topo da pirâmide alimentar dado serem predadores activos com dimensões que poderiam chegar aos dois metros de comprimento.
ICNOFÓSSEIS
A fauna fóssil de Canelas evidencia ainda os produtos da actividade biológica de seres que optaram, na sua evolução, por viverem abaixo do fundo marinho. Assim, surge um interessante registo de vestígios de comportamento de organismos, conhecidos como icnofósseis, que se materializa na forma de galerias de habitação e/ou alimentação.
Existe ainda o caso da preservação dos excrementos produzidos pelos animais que viviam sobre o fundo marinho. Em Canelas foi encontrada recentemente uma forma de comportamento considerada nova para a Ciência. Este icnofóssíl Phycodes canelensis corresponde a câmaras a partir das quais se desenvolvem galerias ascendentes, totalmente preenchidas por pelóides fecais.
MICROBIALITOS
São estruturas sedimentares que resultaram do crescimento centrípeto de colónias de bactérias à volta de cefalópodes depositados ainda em decomposição no fundo marinho. Este crescimento deu-se com a exalação de fluídos orgânicos em ambiente muito pobre em oxigénio, favorecendo o crescimento de bactérias que “respiram” enxofre e que “excretam” pirite.
Fonte: https://museudastrilobites.pt/