O Padre Himalaya:
Manoel António Gomes, mais conhecido como Padre Himalaya – alcunha herdada dos seus tempos de Seminário –, nasceu em Cendufe (Arcos de Valdevez), em 1868.
De espírito curioso e inquisitivo, o Padre Himalaya cedo demonstrou o desejo de viajar. Viveu na Alemanha, em França, na Inglaterra, nos EUA e na Argentina. Com as suas viagens pretendia não apenas alargar conhecimentos, mas sobretudo conseguir apoio financeiro e institucional para os seus muitos projectos. Antes de se mudar para Paris, em 1899, viveu no Porto onde trabalhou como Professor de Físicoquímica. Este foi um período importante na vida do Padre Himalaya que publicou inúmeros artigos científicos em revistas especializadas.
Os seus interesses, as suas leituras e os seus textos versavam sobre áreas tão diversas como a Ciência, a Ecologia, a Educação, a Filosofia, a Religião ou a Economia. Em 1908, num Congresso realizado em Viseu, o Padre Himalaya centrou a sua intervenção na fraca produtividade do país, um tema ainda hoje muitíssimo actual. No início do século XX, o Padre Himalaya via na Educação a solução para este problema económico.
O Padre Himalaya foi ainda um homem prático e liberal no que à Religião diz respeito. Nas muitas cartas endereçadas ao seu irmão Gaspar, revelava invariavelmente o seu espírito progressista. Não apenas se opunha à imposição do celibato, como também desaprovava outros sacrifícios defendidos pela Igreja Católica, como por exemplo os jejuns, que, segundo o sacerdote, só serviam para afastar os fiéis da Igreja.
De resto, Himalaya sempre conjugou a sua Fé Religiosa com um profundo optimismo e um grande entusiasmo face à Ciência. Acreditava que o conhecimento e a prática científicos, juntamente com a educação, deveriam conduzir a uma democratização dos recursos naturais e à construção de um mundo que, sendo ecologicamente sustentado, é também mais feliz. O Padre Himalaya foi, aliás, Pároco da Telha (atual Santo André, Barreiro), nos inícios do século XX.
Audaz, Himalaya nunca hesitava perante novos desafios científicos, o que o levava a participar como cobaia nas suas próprias investigações. E foi, precisamente, ao experimentar um dos seus medicamentos que adoeceu seriamente, acabando por vir a falecer em 1933, sem ter terminado o seu livro sobre a Mecânica do Universo.
Himalaya, o visionário:
O Padre Himalaya tinha apenas dezassete anos quando construiu uma máquina que conseguia transformar nitrogénio, com o objectivo de aumentar os índices de fertilidade do solo. A patente do invento não foi, todavia, registada por Himalaya e, alguns anos mais tarde, um cientista alemão registou a patente de uma máquina em tudo semelhante à do jovem cientista português.
Mais tarde, o interesse do Padre Himalaya pelas propriedades medicinais das plantas levou-o a iniciar uma investigação minuciosa que terminou com a criação de um vasto repertório de medicamentos naturais. Um destes medicamentos – os Sais Orgânicos – foi comercializado com sucesso na época.
O Pireliófero e os primeiros passos da energia solar:
Apesar do sucesso na venda dos seus Sais Orgânicos, os grandes feitos científicos do Padre Himalaya encontravam-se ainda por realizar. Em 1900, começou as suas experiências com a energia solar em França, na região de Sorède, através da construção de uma máquina que denominou de pireliófero. Este era constituído por um gigantesco forno solar com uma lente igualmente impressionante que recebia e transformava a energia solar em electricidade. Depois de algumas tentativas falhadas com protótipos imperfeitos, o Padre Himalaya conseguiu construir uma nova máquina, apresentada em 1904, na Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos, o expoente máximo da sofisticação tecnológica e científica.
O entusiasmo dos visitantes e da imprensa foi avassalador. Nas primeiras páginas dos principais jornais americanos – New York Times, Sunday Magazine, Saint-Louis Republic – não se poupavam elogios ao engenho do Padre Himalaya. Uma multidão estupefacta observava como a gigantesca máquina, que ocupava cerca de 80 m2 e alcançava os 3500 graus de temperatura, derretia instantaneamente o granito e o basalto. O Júri da Exposição atribuiu a Himalaya o primeiro prémio do concurso e com ele o cientista português inscrevia, na primeira década do século XX, o seu nome, e o nome de Portugal, na história das energias renováveis.
Contudo, apesar do seu enorme êxito na Exposição, o pireliófero não chegou a ser nunca comercializado. O aparelho era demasiado caro para ser usado na Indústria e os seus princípios eram contrários à Economia dominante baseada quase exclusivamente no consumo de petróleo.
Texto adaptado de 'Padre Himalaya: O Retrato De Um Utopista Português', de autoria de Márcia Lemos
(Investigadora do Projecto “Utopias Literárias e Pensamento Utópico: a Cultura Portuguesa e a Tradição Intelectual do Ocidente III”,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
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