Lenda do
Moinho de Vento
Já lá vão tantos e tantos anos que não será possível
contá-los pelos dedos.
Ele lá estava , inocente, a cair de velho, à espera de alguém que
lhe deitasse a mão.
Das velas, nem uma réstea que servisse de amostragem, e o redondo
da estrutura já desmoronava.
Na minha passada miudinha, própria de um menino de tenra idade,
passava por ali, na companhia da minha avó Felicíssima. Ao deixar
para trás o velho Moinho, seguíamos estrada fora até a azenha do
Reles Bicho. Ali, a talega do milho, resultado do Rabisco, era
trocada por farinha, que acabaria em pão no forno do
Aparício.
Muito em jeito de Forno Comunitário, permitia o bondoso do dono que
os pobres da Vila da Barquinha, tivessem aquela regalia. Mas a ida
à azenha do reles Bicho, estava relacionada com o valor da maquia.
Numa altura que os ganhos eram poucos e o comer tinha que dar para
muitos, a minha avó, já com a saquita da farinha à cabeça, a
desconfiar de tão pouca fartura, lá me dizia:.
- Olha filho, a gente muda de moleiro, mas não muda de
ladrão.
E, apanhando o fresco da manhã, tinhamos a primeira paragem no
Fontuário sobranceiro ao Moinho de Vento. Aí, enquanto minha avó
descansava, eu tentava ler nas pedras do Moinho a sua brilhante
história. Ao sentir-me chocado pelo seu estado de abandono, também
me ressaltava à ideia, que nem só "as árvores morrem de pé".
Lá dentro, sem respeitar a saudade deixada pelo último Moleiro, um
atrevido Zambujeiro, em jeito de ocupação selvagem, ía impondo a
sua presença, como o bestunto fosse o dono do singelo
Monumento.
E a minha curiosidade levava-me a pedir à minha avó explicações
sobre o funcionamento daquela máquina. E a pobre velhota lá dizia:
primeiro temos a Moega, aonde se deita o cereal. Depois, a Mó
andadeira que recebe o movimento a partir do vento, dado que a
outra é fixa e dá pelo nome de Poiso. A peça que puxa o cereal da
Moega para o orifício da Mó, a fim de resultar em farinha, chama-se
Cadelho. Saltita por cima da Mó andadeira, e vai puxando o cereal.
Mas para o pão alvo, há que utilizar outra Mó, e no Picar da Pedra
é que está o segredo de uma boa farinha.
Da sua explicação, levou-me a fazer um versinho a um amor escondido
que tinha na minha rua:
Moinho de Vela branquinha
A Mó a moer o pão
Só me lembra a Fernandinha
A moer-me o coração
Mas a Fernandinha foi ouvir versos para outra freguesia, eupor cá
fiquei preso às bonitas histórias da minha avó e às belezas que
começam a despontar em todo o meu Concelho.
E, junto ao Moinho, olhando o Tejo, lá via passar os barcos
carregados de pedra para os rombos da Má-Lã, Patacão, Labruja
deixados pela última cheia. Homens do Tejo para quem o Tejo foi
vida, dor e alegria. Muitos já caíram no esquecimento, mas vale a
pena lembrar uns em memória dos outros: O Zé Bragança, o Joaquim
matuto, o Barbisco, o António Matuto, o Álvaro Relampantão, o Raul
Vadío, excelente cozinheiro cujas receitas mereciam uma
recolha.
Por todos eles, quedo-me no meu silêncio em descanso das suas
almas.
Ali perdia horas, quando minha avó subia a meia encosta e me
deliciava com a beleza da sua Lenda. E, ao mesmo tempo em que me
dizia que todas aquelas Azenhas, os Moinhos de Vento e o próprio
Lagar de Varas, foram pertença da Ordem dos Templários que, na
época, cultivavam todo o Vale de Laveiros.
Também me dizia que o Moleiro, além do trabalho, vivia dividido
entre um sorriso e uma lágrima. Um sorriso, quando em noites
luarentas, via o vetusto Castelo de Almourol esbatido nas águas do
Rio, sobressaindo de todo o cenário a bonita Torre de Menagem. Uma
lágrima, quando via passar no outro lado da encosta os Condenados a
a caminho do Cadafalso. É que, segundo a minha avó, o povoado de
Tancos tinha a justiça em Última Instância.
E lá me ía encantando com tanta sabedoria que, por instantes,
ficava preso ao Adágio Popular " Cada velho que morre é uma
Enciclopédia que se perde".
De uma memória de meter inveja, apontava-me o janelo, por onde o
Moleiro espreitava o Tempo para orientar as velas e por onde via
passar de quando em quando o bondoso Frade Ambrósio, que
aproveitando um caminho pedonal, que vinha do Convento do Loreto,
tomava o caminho do cais de EL-Rei, que ficava ali a dois passos.
De chapéu preto de aba larga, envolto no seu farto capote,
carregava numa das mãos uma bonita cesta de verga, rematada no
fecho com duas asas. Orgulhoso da sua nobre missão, Confessor das
Noviças e das Freiras do Convento de Odivelas, tinha acedido ao
honroso convite da Madre Paula, Madre Superiora daquela
instituição.
De quinze em quinze dias dias, do Cais de EL-Rei ao povoado de
Sacavém, seguia de água abaixo o bom frade, aproveitando o tempo de
viagem para estudar as penitências.
No Reino vivia-se em franca prosperidade. Era senhor do Reino de
Portugal, o monarca D. João V e o ouro que vinha do Brasil permitia
a felicidade de muita gente. O Clero e a Nobreza eram os mais
bafejados, e os Conventuais viviam à tripa-forra. Pela fartura e
com farinha produzida ali no Moinho, os Frades começaram a ensaiar
a sua doçaria.
Segundo a lenda, e em homenagem às gentes do Tejo, logo o primeiro
bolo a fazer-se no Loreto, veio a ter o nome do barquinho.
E, nas suas regulares visitas ao Convento de Odivelas, não se
esquecia o Frade Ambrósio de levar um bolinho para cada
residente.
Quando o Trem transpunha o portal de cerca do Convento e a sineta
anunciava a chegada do Frade, logo aumentava a ansiedade.
Como o bolo se apresentava de uma forma cilíndrica, as Freiras não
tardaram a chamar-lhe o Pirilau do Frade Ambrósio.
Reza a lenda que, no Convento, passou a haver desassossego por
causa do Pirilau, e, ao que se sabe, até a madre Paula não escapava
à tentação.
Pelos vistos a doçaria do Convento do Loreto tinha muita qualidade.
Mas, apesar de tanto entusiasmo, o imprevisto veio a acontecer e,
no Convento de Odivelas, o Pirilau do Frade Ambrósio, acabou por
cair em desgraça. De uma falta de interesse de bradar aos céus, as
Freiras já não o procuravam. Por essa altura, dizia-se à boca
pequena que a Madre Paula era amante de EL-Rei D. João V, mas o
Frade Ambrósio, alheio ao que o povo dizia, não esperou por mais
tempo e, de confissão em confissão, veio a descobrir que as Freiras
já faziam marmelada.
No Convento do Loreto, ninguém queria acreditar e, logo começaram a
aparecer Bolos com formatos pouco ortodoxos. É que, além das
Barrigas de Freira, já tinham perdido o controle das boas
maneiras.
Quem não esteve pelos ajustes, foi o Frade Superior que, por
castigo, vendeu todo o gado existente nas Cavalariças, obrigando os
Frades a andarem a pé. Até dizia que um Frade apeado pensava melhor
do que um Frade bem montado.
Com a ideia os Frades ficaram desolados, mas vieram a saber que
ali, havia um Deus a governar.
Talvez por esta medida, as Pias aonde os animais por tantos anos
beberam água, ornamentam ainda hoje o bonito Chafariz da Vila Nova
da Barquinha, a quem o povo trata por Chafariz Velho.
Mas voltando à marmelada, depressa veio a fama e os doces do
Convento de Odivelas pousaram para a história.
Menos sorte tiveram os Pirilaus do Convento do Loreto que, se viram
abafados pela marmelada das Freiras.
A cache:
Esta cache pretende dar a conhecer um local que outrara foi
bastante importante para as gentes desta região.
Para chegar à cache deixem o carro perto das coordenadas do
waypoint e sigam pelo trilho que têm 3 blocos grandes de cimento a
bloquear a passagem de carros
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