Quando ela se voltou para trás
sabia que seria a última vez que iria ver esta aldeia. Já
todos tinham saído e seguiam à sua frente para fundar um novo
povoado. Chamava-se Python e era a filha mais nova do
guerreiro desta pequena tribo. Os eventos dos últimos dias
tinham-na deixado a liderar as pessoas que ainda
restavam.
Dois dias antes, o sol radioso
nascente não fazia crer o que os trágicos acontecimentos daquele
dia iriam trazer. Nos vales do rio Côa, perto desta aldeia
irredutível, alquimistas trazidos das partes mais remotas do
império pelos invasores romanos largavam químicos nas suas
margens.
Python era uma jovem mulher, ainda
há poucos anos corria pelas estreitas ruas da aldeia com os rapazes
e raparigas brincando às escondidas. Agora recebia os primeiros
raios de sol estival na sua cara. O seu irmão mais velho tinha já
saído com o pai, o guerreio. Era o seu sucessor e estava a aprender
coisas de guerreiro, pensou ela.
Os avós dos seus avós contavam que
os antepassados tinham aqui chegado, vindos das grandes montanhas
para lá das montanhas, trazendo a civilização para o meio de
bárbaros. Tinham sido eles que ensinaram a cultivar a terra e a
guardar o gado. Tinham-se integrado. Agora novos inimigos batiam às
suas portas e traziam novas armas.
Foi quando os raios de sol
atingiram o fundo do vale que ela viu aqueles monstros. Não podia
acreditar nos seus olhos, eram formigas gigantes, certamente mais
uma manobra dos invasores do sul.
- "Fujam" - gritou ela, para as
mulheres que estavam junto. - "Todos para dentro das casas." -
enquanto pegava na espada que o pai tinha deixado para trás
hoje.
Não sabia bem como manejar a arma,
mas o suficiente para decepar, várias formigas gigantes, à
medida que se aproximavam da aldeia. Depois de ter parado a
primeira vaga, já começava a ver que as restantes. Não iria
conseguir vencer todas. Sabia que o seu pai e irmão já não tinham
salvação, cabia-lhe a ela salvar o maior número de habitantes
possível. Na igreja tocou o sino para juntar para reunir o povo. -
"Só temos uma solução, peguem nas pedras de nossas casas e vamos
mandá-las colina abaixo."
As pedras rolavam pela encosta,
esmagando alguns monstros pelo caminho. O plano tinha resultado,
mas ela sabia que tinham apenas ganho algum tempo. Tinham ganho
tempo para fugir. Não seria uma fuga tímida, seria uma fuga
estratégica para reagrupar.
- "Ouçam todos" - disse enquanto
subia para o topo da igreja, meia desfeita. - "Não podemos aqui
ficar, o tesouro é precioso demais. Os avós dos nossos avós,
trouxeram-no do nosso país longínquo. Agora teremos de nos afastar
dele para que não seja apanhado pelos invasores latinos. Eles
trazem as suas lanças e as suas feitiçarias, mas mesmo assim
seremos mais fortes. Seremos mais fortes por parecermos fracos.
Vamos fazer uma aldeia nova, igual aos dos povos inferiores que
habitam à nossa volta." - Depois lembrou-se do seu pai e irmão -
"Os nossos amados lideres juntaram-se aos mortos. Continuarão a
ajudar-nos, continuarão a guiar-nos, tal como os antigos" - e
terminou - "Agora, peguem no que puderem e partamos para poente!" -
e com isso esticou o braço para o sol que entretanto se punha.
Quando ela se voltou para a frente,
viu que o seu povo formava uma grande fila. Estava sozinha a
lidera-los, não sabia bem o que fazer, mas aprenderia. Para já,
dirigiam-se para outro local para fundar uma nova aldeia. Haviam de
se integrar outra vez, agora entre os novos invasores. Mas a sua
linhagem continuaria. E o tesouro continuaria bem guardado...